Foto: Memória EBC (Temas como o desmatamento na Amazônia,
queimadas no Pantanal e óbitos por covid-19 sequer foram pautados)
Dossiê feito pelos próprios trabalhadores da empresa aponta denúncias de “censura e governismo”
Por Carolina de Oliveira/Brasil de Fato
Desde que iniciou o mandato até julho de 2020, o governo de Jair Bolsonaro interferiu 138 vezes no
trabalho da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). É o que indica um dossiê
realizado pela Comissão de Empregados da EBC, em parceria com sindicatos e
a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), com denúncias de “censura ou governismo” em pautas e
matérias da empresa realizadas de janeiro de 2019 a julho de 2020.
A EBC é pública. Isso significa que passam-se os governos,
mas o trabalho da empresa estatal continua a ser independente de partidos e
orientações políticas. Não é esta, no entanto, a orientação do governo do
capitão reformado quanto à EBC: houve censura à cobertura do assassinato de Marielle Franco
e Anderson Gomes, de violação de direitos indígenas, bem como interdição de
fontes como Anistia Internacional e Human Rights Wacth,
de acordo com o dossiê.
Segundo Márcio Garoni, diretor da Fenaj e jornalista da EBC,
quando políticas públicas do governo são abordadas, não existe, por exemplo, a
visão do contraditório, “que é essencial ao jornalismo em qualquer lugar”. Ao
contrário, “ganhou muita relevância o papel de exibir as políticas do
governo, mas perdeu relevância nos veículos da EBC o papel mais crítico, que
também é dever nosso”.
Nesse movimento, publicações com exaltações às figuras dos
ministérios acabaram ganhando espaço. “Qualquer repercussão mais crítica que
esteja acontecendo, os colegas têm muita dificuldade de fazer essa cobertura,
principalmente no caso desses ministérios que são mais ideológicos do governo.
São ministérios muito protegidos”, como o Ministério da Educação e da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos. “No noticiário, a gente não conseguia trazer
críticas”, afirma o jornalista.
Ainda de acordo com o dossiê, outros temas como o
desmatamento na Amazônia, queimadas no Pantanal e óbitos por covid-19 sequer
foram pautados.
Intervencionismo desde o governo Temer
De acordo com Garoni, o trabalho da EBC tem sido comprometido por interferência governamental desde o mandato de
Michel Temer. “Já havia tido um problema no governo Temer, mas com o
governo Bolsonaro essa questão se intensificou. Com essa perspectiva de
denunciar essa questão, a gente criou a segunda edição do dossiê de censura”,
explica Garoni sobre o que levou aos funcionários a criarem o documento.
A primeira edição do dossiê mostrou 61 denúncias de
censura e governismo, entre o mês de outubro de 2016 e a terceira semana de
julho de 2018, a maior parte do governo Temer, que ficou no poder entre 31 de
agosto de 2016 e 31 de dezembro de 2018.
Garoni explica que a EBC tinha mecanismos de controle social,
como um conselho curador, mas que deixou de existir no governo Temer. “Com
isso, a empresa perde esses mecanismos.”
“A EBC tem um braço que é institucional, que é estatal mesmo, que
faz prestação de serviço do governo federal. Mas tem um braço que é público
também. Então, o jornalismo e a programação têm esse papel de caráter público
de servir a sociedade, e isso tem sido comprometido”, conclui Garoni.
O dossiê será lançado na próxima semana e será enviado para
autoridades e órgãos públicos como forma de denúncia contra o governo
Bolsonaro.
A EBC foi criada em 2008, durante o segundo mandato do
ex-presidente Lula (PT). A empresa é responsável por diversos programas em
diferentes plataformas, entre eles TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência
Nacional, Rádio Nacional AM do Rio de Janeiro, Rádio Nacional AM de Brasília e
Rádio Nacional do Alto Solimões. A EBC também é responsável pela produção do
tradicional programa de rádio “A Voz do Brasil”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
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