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Blog de Tabatinga

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#Amazônia - Quatro dias no Amazonas, o maior rio do mundo

01/08/2015, sábado

Foto: O interior do barco Clívia, saindo de Manaus. / M. R.^

Por El País (El Viajero)/Traduzido ao português

A embarcação de Clívia sairia às 11h de mais uma quarta-feira abafada em Manaus (AM). Mas, na realidade, só partiu mesmo às 13h. Para ir até Belém (PA) , a passagem custa 200 reais na bilheteria do Porto de Manaus para aqueles que topam dormir em rede. Quem quiser mais conforto, paga 350 reais e fica no ilusório luxo dos camarotes.

Porém, os vendedores ambulantes de bilhetes, que ficam em frente ao porto e são credenciados, dão desconto. Dois dias antes da viagem, comprei a minha passagem com o Tonico e economizei 20 reais. Mais tarde, entenderia a razão pela qual fui agraciada com essa promoção.

No dia da viagem, um ajudante de Tonico me ajudaria a pendurar a minha rede. Solícito, ele leva as bagagens, orienta a comprar a melhor corda e pendura a rede no segundo andar da embarcação, que, às 9h da manhã já está cheia de gente. Fico agradecida. Ele me cobra 20 reais. Aquele mesmo que eu havia economizado.

No primeiro andar do barco, havia um carro, geladeiras, fogões, camas, colchões e dois cachorros sendo transportados entre os passageiros em redes. Subindo uma escadinha, chegava-se ao segundo andar: mais 124 redes penduradas e entrelaçadas, dezenas de malas e mochilas, um banheiro de cada lado e uma pequena cozinha no meio, bem ao fundo. No terceiro andar fica a cabine do comandante, um pequeno bar e cadeiras de plástico para apreciar a vista do rio e mais algumas redes que não couberam nos andares inferiores. A caixa de som do bar toca tecnobrega e sertanejo das sete da manhã a meia noite. A cerveja, que não é gelada, distrai. Ajudaria a fazer amigos pelos próximos quatro dias.

O banheiro  —um masculino e outro feminino por andar— tem duas pias e duas cabines. Dentro das cabines, uma privada e um chuveiro bem em cima do vaso. Para usar a privada, era preciso fazer um malabarismo: se equilibrar no balanço do barco, segurar a tampa do vaso, que não ficava aberta sozinha, e desviar da goteira permanente que vinha do chuveiro. A água usada para tomar banho e escovar os dentes vem do próprio rio. Ao lado do banheiro há um bebedouro deágua tratada, que também é retirada do rio. A mim, o esquema custou uma virose que durou mais tempo que a viagem quando cheguei a Belém.

A comida é simples: pão, um café super doce e leite, pela manhã – por cinco reais – e arroz, feijão, macarrão, carne e farinha no almoço e jantar, por dez reais. A embarcação para em várias cidades, onde algumas pessoas descem e outras tantas sobem. Nas paradas, sobem no barco vendedores de absolutamente tudo: DVDs, relógios, bermudas, bijuterias, doces, farinhas, frutas, e CDs, vendidos, no caso, pela própria cantora. Em alguns pontos do rio, os vendedores chegam de barquinho e o amarram na embarcação. Sobem no nosso barco e vendem água de coco a três reais e camarão seco a cinco reais a porção.

“Seu colete é Jesus”

Na terceira noite, uma chuva forte caiu. Uma lona azul tentou conter a tempestade que molhou o chão onde as bagagens estavam. O barco balançou de um lado para o outro por algumas horas no breu. A fé, nessas horas, conforta e distrai os passageiros e muitas senhoras começaram a rezar. A rádio peão, que informa sobre tudo, diz que o barco estava muito cheio de gente para compensar a falta de carga. Quanto mais pesado o barco fica, menos ele balança.

A informação foi confirmada por um funcionário da embarcação, que conta que também é cineasta. Questionado se o número de passageiros não era acima da quantidade de coletes salva-vidas disponíveis, ele afirmou: “Fique tranquila, se algo acontecer, seu colete é Jesus”.

A paraense Rose vive em Tabatinga (AM), cidade que fica na tríplice fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, a 1600 quilômetros de barco de Manaus. Dois dias depois de conversar comigo, disse: “Vem aqui que nós vamos tirar a sua sobrancelha”. Deitei na rede dela e saí com o olhar “mais aberto” segundo disse.

O barco passa por comunidades ribeirinhas de onde saem crianças em pequenas canoas na chuva em nossa direção. Nesse momento, sacos plásticos cheios são arremessados pelos passageiros em direção ao rio. Dentro, estão latas de leite em pó, farinha, roupas e outros alimentos. Gente que tem pouco ajuda quem tem menos ainda.

A viagem termina no domingo, pouco antes do sol nascer em Belém. Quatro dias depois e 1.650 quilômetros rio abaixo, a aventura terminava para mim, mas não para quem esse tipo de viagem é parte do cotidiano. De Belém eu voltaria a São Paulo de avião e, em três horas e meia estaria em casa. Pensei na Rose, a cabeleireira que tirara a minha sobrancelha, que ainda teria mais uma semana de viagem de barco pela frente, quando retornasse a Tabatinga.

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