04/11/2012 - 10:20
Leonardo Sakamoto
A virgindade de meninas indígenas em São Gabriel da Cachoeira, no
Amazonas, pode ser comprada por um homem branco por R$ 20,00, roupas
ou bombons. A Folha de S.Paulo, deste domingo (4), traz importante
reportagem de Kátia Brasil sobre o drama, que vem sendo apurado pela
polícia há um ano, mas não prendeu ninguém até agora. Entre os
acusados, empresários locais e militares. Até ameaças de morte foram
feitas para que tudo fique em silêncio.
A reportagem traz depoimentos das vítimas. Uma, de 12 anos, conta que
teve a virgindade "vendida" para um ex-vereador, casado e com filhos.
"Ele me levou para o quarto e tirou minha roupa. Foi a primeira vez,
fiquei triste." Outra meninas de 12 anos afirma que foi obrigada na
primeira vez: "ele me deu R$ 30,00 e uma caixa com chocolates".
Que a pedofilia encontra no Brasil um terreno fértil com muitos
seguidores, isso é sabido. Imaginem o que seria desta nossa sociedade
patriarcal e machista sem as revistas e sites que transformam mulheres
de 18 anos em meninas de 12? Afinal de contas, se tem peito e bunda,
se tem corpo de mulher, está pronta para o sexo, não é mesmo? E se
está pronta para o sexo, por que não ganhar uns trocados para ajudar
no orçamento familiar? Antes trabalhar do que ficar zanzando na rua,
né?
Lembrei-me de histórias que presenciei. Passando o município
maranhense de Estreito, cruzando-se a ponte sobre o rio Tocantins e
entrando no estado homônimo, há um posto de combustível. Entre bombas
de combustível e caminhões estacionados, meninas ofereciam programas.
Entravam na boleia por menos de R$ 30,00, deixando a inocência do lado
de fora. Já, em Eldorado dos Carajás, no Pará, me levaram a bordéis
onde se podia encontrar por um preço barato "putas com idade de vaca
velha". Ou seja, 12 anos.
Retomo aqui um debate já travado tempos atrás neste espaço. Pois essa
discussão não é sobre o direito da mulher ao seu corpo (que deveria
ser inquestionável e protegido contra qualquer tipo de idiotice), mas
defender que crianças e adolescentes não sejam abocanhados pelo
mercado do sexo. Não estou tratando de sexo dos adolescentes, mas sim
o seu uso comercial. Muito menos a legalidade da prostituição. Estamos
falando de meninas de 12 anos que podem ter sido empurradas para essa
condição por pressão da situação social ou econômica da família, mas
também sofreram influência externa sobre sua sexualidade – da TV, dos
amigos, de vizinhos, de músicas, de ofertas irrecusáveis de bens
materiais ou dinheiro, que atiçaram desejos ou fantasias sobre si
mesmas e o mundo.
Prostituição infantil não é novidade. E nem é vinculada apenas a uma
classe social: há denúncias e mais denúncias de políticos e
empresários que alugam barcos e hotéis para consumir as crianças que
compraram. Ou festas regadas a uísque nas grandes cidades. Mas é ruim
quando a gente se depara novamente com isso. Ver meninas que deveriam
estar estudando para uma prova de sexta série vender seus corpos e
encararem isso como parte da vida dá um misto de raiva e sensação de
impotência.
A ocupação violenta da região amazônica durante a última ditadura
militar foi realizada sob a justificativa de integrar o país e
desenvolver o interior. Ajudou a enriquecer alguns poucos, trouxe
outros milhares que perseguiam um sonho de vida melhor e viu milhões
serem explorados em fazendas, carvoarias, bordéis, fábricas, garimpos,
mineradoras do seu entorno – sejam migrantes, sejam moradores nativos.
Nessa fronteira agrícola, convive a riqueza, que manda suas filhas
estudarem no exterior, e a pobreza, que empurra as suas filhas para os
postos de combustível nas madrugadas quentes.
Apenas um bagre em coma não sabe que um dos principais impactos da
instalação de grandes obras de engenharia na região amazônica tem sido
o aumento dos casos de prostituição infantil. Mas quem se importa com
a dignidade de algumas pessoas quando estamos falando de megawatts e
estradas, ou seja, da grandeza de um país? Os recursos investidos em
programas de prevenção para garantir qualidade de vida ou monitorar as
condições de crianças e adolescentes são sempre reduzidos diante do
que é disponibilizado para o "progresso". E, considerando os
envolvidos nas denúncias, o Estado não é ausente. Em alguns casos, ele
participa do crime.
Um dia um fazendeiro português com terras no Mato Grosso disse a Pedro
Casaldáliga, símbolo da luta pelos direitos do campo no Brasil, para
justificar a exploração: "Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor
sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem
seu preço".
Desculpem mesmo, não é moralismo. Mas não dá para ler uma matéria como
a que trata da situação em São Gabriel da Cachoeira e não ter a
sensação de falência de um país.
Fonte: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/11/04/programa-brasil-pedofilo-a-virgindade-de-nossas-meninas-a-r-20/
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