Territorialidade, memória e cuidado com a “mãe terra”

Foto: REPAM

16/12/2025, terça-feira

Em Brasília, durante o Primeiro Seminário Nacional de Mulheres Indígenas Pesquisadoras, a voz de Márcia Wayna Kambeba ecoa como poesia, memória e denúncia. Escritora, poeta, fotógrafa, compositora e ativista do povo Omágua/Kambeba, nascida no Alto Solimões (AM), Márcia transita entre aldeia, cidade, universidade e movimentos sociais, tecendo narrativas que recolocam o território no centro da vida.
Nesta entrevista à REPAM-Brasil, ela fala sobre a terra como mãe e território sagrado, a força das mulheres indígenas na produção científica, os desafios da juventude indígena na cidade e o papel da literatura na construção da justiça socioambiental e climática na Amazônia.
REPAM-Brasil – A territorialidade é um eixo central na sua poesia, nas suas fotografias e na sua pesquisa. Como a arte ajuda a restituir as narrativas indígenas e fortalecer a defesa dos territórios em um contexto de crescente pressão sobre a Amazônia?
Márcia Wayna Kambeba – Eu sou Márcia Kambeba, do povo Omágua/Kambeba, do Alto Solimões, Amazonas. Nasci na aldeia Belém de Solimões, do povo Ticuna. Cresci ali até os 10 anos de idade, convivendo com o povo Ticuna, enquanto meu pai e minha mãe são Omágua/Kambeba. Com eles aprendi, desde cedo, a valorização do território.
Quando falo em território, não estou falando só de um espaço físico. É um território memorial, ancestral, simbólico, cultural, identitário e também sagrado. Toda aldeia tem seus pontos sagrados. Na cidade, muitas vezes a gente não sabe nem onde encontrar um lugar assim. Na aldeia, se você perguntar, sempre haverá um ponto sagrado. A partir disso, eu fui compreendendo a importância da luta pelo território.
Não se trata de "querer muita terra", como dizem frases preconceituosas que ainda se escutam. Para nós, a terra não é mercadoria, não é algo que se compra e vende. A terra é mãe. E quando eu entendo a terra como mãe, eu não a destruo. Quem venderia sua mãe? Quem retalharia a própria mãe para vender em pedaços? É assim que vemos o desmatamento: não como corte de árvores, mas como ferida em um ser vivo.
Esse cuidado se expressa também na prática. Na aldeia Tururu Cariúca, perto de Manacapuru, as crianças Kambeba pegam suas canoas com sacos de lixo para limpar o igarapé Samaúma. Elas recolhem latas, fraldas, absorventes, tudo aquilo que a sociedade não indígena joga nos rios. Elas entendem que o rio que nos banha também precisa ser "banhado", limpo. Meu próprio filho, autista, quando pequeno, me pedia para parar no mangue e "limpar o amigo", como ele chamava aquele lugar. Isso é consciência ambiental.
Percebi que a literatura poderia contribuir com essa consciência. Livros como O Curumim e o Rio, A Aldeia dos Encantados, Matintã Tapajé ou Saberes da Floresta levam crianças, jovens e adultos a compreenderem que nós não somos apenas "parte" do território: nós somos o próprio território. Não estamos acima da terra; caminhamos com ela, que tem espírito, assim como as árvores, as águas, o vento. Quando escrevo poesia, escrevo também para lembrar que o território é sujeito de direito e que, se tem vida, precisa continuar existindo.

Fonte: REPAM

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