Fotos: Renan
Arouche
Rogélio
Campuzano é médico nascido em Huila, na Colômbia, porém foi naturalizado
brasileiro pois é filho de mãe brasileira, tem 44 anos, pai de dois filhos com
a senhora Olga Milena, que mora no Rio de Janeiro, onde compartilha a criação
de Darian Felipe (13 anos) e Nicolas Esteban, de 12 anos.
Rogélio é o primogênito de uma família de três irmãos.
Filho de Gladys Cachaya e Antônio Campuzano, viviam uma vida típica e simples,
numa época em que a problemática do narcotráfico na Colômbia não era assunto de
simples alçada policial. Era um problema nacional, continental e mundial. As
fronteiras da droga alargaram-se. E os chefões dos cartéis de Medellín e de
Cali eram o que predominavam por toda região nos anos 80 e 90. Rogélio assim
como milhares de famílias cresceram neste meio, “neste submundo onde não
tivemos outra opção de escolha”.
O jovem Rogélio tinha todos os seus parentes próximos
envolvidos com o tráfico de drogas. “era comum trabalhar com eles”, disse nesta
entrevista reveladora o médico campeão de votos em Tabatinga e na região do
Alto Solimões, local onde escolheu para viver e trabalhar.
Já completados seis meses do último pleito eleitoral no
Amazonas, Rogélio Campuzano, pela primeira vez, em entrevista exclusiva, fala
sobre sua vida, sua infância, sua prisão, sua opção em ser médico e o porquê de
sua relação tão próxima com os mais carentes que vivem na região do Alto
Solimões, notadamente a cidade de Tabatinga, local onde teve quase nove mil
sufrágios por parte dos eleitores tabatinguenses. Acompanhe a entrevista:
Por Marcelo Guerra/Portal do Holanda
Como foi sua vida na infância? O que lhe marcou nesse
período?
Tenho recordações boas e ruins. Fomos uma
família muito unida, trabalhadora e honesta. Trago da minha infância momentos
inesquecíveis como o simples correr atrás da bola, do pique esconde, dos banhos
nos rios e igarapés, e também das amizades que construímos ao longo de nossa
infância e adolescência. Mas também tivemos problemas sérios em ter de conviver
com o crescimento do comércio de drogas ilícitas.
Quando decidiu ser médico e por que?
Eu sempre quis ser médico. Mas a paixão pela
música falava mais alto. Aos poucos, vendo a carência de médicos na região onde
morava decidi mudar de rumo e fazer algo que eu achava que me daria maior satisfação
pessoal. Entrei para a faculdade de medicina e desde então sonhava em um dia
poder trabalhar como médico e ajudar as pessoas.
Sim, minha família
foi totalmente a favor da minha decisão. Estou formado há 22 anos, sou cirurgião,
e desde o ano de 2005 faço atendimentos sociais ao povo habitante do Alto
Solimões. De Amaturá a Atalaia do Norte.
Já formado como médico, o senhor foi
preso por tráfico de drogas. Isso deve ter lhe afetado muito. Como foi esse
período?
Trago na memória
como os dias mais amargos de minha vida.
Por que?
Porque as nossas
derrotas, mesmo as mais doloridas e avassaladoras, devem ser cultivadas e
acariciadas, talvez mesmo com mais carinho e disciplina do que as vitórias. Os
grandes tombos são formadores de caráter mais eficientes do que os triunfos e,
portanto, é provável que as derrotas tenham maior influência sobre as novas
gerações do que as vitórias inesquecíveis. Quando caímos, cada mínimo detalhe
se prende na memória e lá adiante, quando repassamos a fatalidade aos jovens
incautos, ela ganha um incomparável poder narrativo. Porque o sofrimento exige
concentração e raciocínio.
Foi terrível. Eu
fui preso e paguei minha pena na prisão em Bogotá, Colômbia, numa cela de 5
metros quadrados. Não vi meus filhos nascerem, não vi a vida passar, não
acompanhei o tratamento de saúde que meus pais tiveram de passar, enfim, foi só
sofrimento. Minha esposa chorava noite e dia. E eu também. Uma vez recordo de
ter tocado em meu filho com apenas um toque de dedos. Não tinha como abraçá-lo
e senti-lo. Foi triste.
O que ficou de lição para você deste
momento de sua vida?
No Brasil há uma
ministra do Supremo Tribunal Federal que certo dia, enquanto presidente da mais
alta corte do país, disse numa entrevista coletiva que o “ser humano é maior
que o seu erro”. Quem falou isso foi a ministra Carmem Lúcia. E isso é
exatamente o que eu penso: nós, seres humanos, somos passíveis de erros. E eu
errei. Mas sou maior que o meu erro, até porque já paguei por ele.
Quanto tempo você passou recluso?
Passei quatro anos
recluso. Foi uma experiência muito triste e inesquecível pois deixa qualquer um
com marcas indeléveis para toda a vida. A cidade onde nasci e cresci
vivia no meio da guerra do tráfico e da guerrilha. O povo sofreu muito
com a guerra, as pessoas perderam entes queridos, passaram por enormes
dificuldades, crianças e mulheres eram recrutadas para o tráfico assim como eu
fui. Era comum trabalhar pra eles. Paguei um preço alto.
Qual foi a experiência?
A pior possível.
Hoje digo a qualquer um: fuja do caminho fácil, do caminho do dinheiro fácil,
das drogas. Não se deixe levar pela riqueza ou ostentação. Simplesmente porque
não vale a pena. Sim, aprendi que há coisas nesta vida muito mais valiosas que
os bens materiais.
O que por exemplo?
A amizade sincera
das pessoas. Isso não tem preço. O olhar de uma pessoa que você cura, que você
traz a vida de volta. Isso não tem preço. Eu tenho minha profissão com um
sacerdócio. Eu pratico a medicina para curar as pessoas. E trago no meu peito e
coração a vontade de dizer para as pessoas que o caminho fácil não leva a lugar
nenhum.
O O senhor
ainda tem pendências com a justiça colombiana?
Graças a Deus que
não. Qualquer pessoa pode acessar o site da Justiça Colombiana e constatar que
nada devo a justiça dos homens. Sou livre. Paguei pelo meu erro. O site é esse
que disponibilizo a todos os seus leitores bem como o número de minha
identidade nacional para a consolidação da informação. O site que qualquer
pessoa pode acessar é https://antecedentes.policia.gov.co:7005/WebJudicial/index.xhtml
Identidade 6566767
Como é trabalhar com profissionais
brasileiros na área da medicina? Há problemas culturais?
Este é outro ponto
enriquecedor do meu trabalho. Estou na região do Alto Solimões há 14 anos.
Aprendemos sobre os costumes e valores, além da cultura do próprio país.
Trabalhar numa ambiente diversidade cultural nos ensina a respeitar e aprender
com o outro.
E como é lidar com pacientes que em
geral têm condições precárias de saúde?
São pessoas muito
simples com quase nenhum conhecimento científico, e por isso tento explicar
tudo que estou fazendo ou que vou fazer. Temos que tentar passar algumas noções
básicas de higiene e alimentação. Também temos que pensar muito bem antes de
dar algum tratamento e explicar muito bem como usar um determinado medicamento
(horários e dose). Não adianta nada darmos um medicamento que precisa ser
diluído em água, se sabemos que as pessoas não têm acesso à água potável. Nosso
trabalho é caso a caso.
Você está sempre viajando e levando mutirões
de saúde a toda calha do Alto Solimões. Qual conselho você daria a um médico
que quer entrar para o projeto?
Não pense duas
vezes, você vai ter uma das melhores experiências de sua vida!
O senhor teve 8.326 votos como
candidato a deputado estadual no último pleito eleitoral de 2018, somente na
cidade de Tabatinga. A que o senhor atribui essa estupenda votação?
Em primeiro lugar,
Deus, e óbvio, não tem outra explicação do que está acontecendo com a gente. Ao
povo de Tabatinga que está cheio de esperança…eles sabem que podem contar
comigo.
O senhor teve mais votos que seis
deputados estaduais eleitos. O senhor apoiou o atual governador Wilson Lima e
este saiu de 720 votos, no primeiro turno, para quase 10 mil votos, no segundo
turno com seu apoio. O senhor tem a confiança do povo?
Eu sou muito grato
e devedor ao povo do Alto Solimões que me proporcionou essa histórica votação.
Não fui eleito porque não tive o aconselhamento necessário para a escolha do
partido. Não entendia essas coisas de coligação e votos de quociente eleitoral.
Poderia ter sido eleito em vários outros partidos, mas, no meu partido (PMN),
acabei por não me eleger em função de não haver coligação conosco. Então eu
sobrei (risos). Mas, tudo bem. Ficou como experiencia. Fosse no novo formato
eleitoral – somente os mais votados assumem a vaga – eu estaria eleito.
Quanto a votação
do governador Wilson Lima no segundo turno em Tabatinga, realmente, fomos a
única liderança exponencial a apoiá-lo. Mas, sinceramente, não sei ainda dizer
se valeu a pena, pois sequer fui recebido por ele desde que ele assumiu o
governo.
As pessoas o atacam muito nas redes sociais, o que você
tem a falar sobre isso?
A população de
bem, que é livre, e que respeita a família não me ataca em redes sociais. Quem
me ataca são grupos antagônicos que a política trouxe com o objetivo de
desestabilizar nosso projeto social. Eles que baixam o nível e inventam
estórias. Mas o povo sabe quem é de mentira e quem é de verdade. E eu tenho
muito o que fazer cuidando da saúde das pessoas.
No caso de
medicina, a humanização das relações é simplesmente primordial. O elo entre
médico e paciente deve ser necessariamente entretecido pela empatia, a
cumplicidade, o respeito, o cuidado.
Certo é que a
realidade não é bem essa. Hoje, muitos doutores nem se dão ao trabalho de
levantar a cabeça e olhar nos olhos de seus pacientes. A anamnese parece ter
perdido a importância. O toque, a conversa, o escutar vão aos poucos sendo
descartados em clínicas, hospitais e consultórios como objetos fora de moda.
Inapelavelmente vencidos pelo tempo.
O senhor acha que o paciente precisa
ser mais respeitado pelo serviço público de saúde?
Claro. Não só no
serviço público como no privado. A medicina ideal não pode em momento algum
perder sua ternura. O paciente não pode se transformar em um simples número de
apartamento, em uma carteirinha de plano de saúde, em uma doença.
O Paciente tem
rosto, tem corpo, tem alma, tem nome. O foco do médico deve ser tratar o
doente; confortá-lo e curá-lo sempre que possível. E, quando não for mais
possível, garantir a ele uma sobrevida digna.
Que recado você deixaria a seus
pacientes e ao povo em geral do Alto Solimões?
Que cultivem a
paz, a amizade sincera. Sim, aprendi que há coisas nesta vida muito mais
valiosas que os bens materiais. Resistam, lutem por seus direitos e seja uma
pessoa de bem, que cumpra também os seus deveres. Como disse o poeta amazonense
Tiago de Melo: “Eu não tenho um caminho novo. O que tenho de novo, é o jeito de
caminhar.” Faça valer isto. Um abraço fraternal a todos.
Obrigado pela entrevista.
Disponha sempre.
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