22/10/2016, sábado
Foto: Blog Jambo Verde
Na fronteira do Brasil com a Colômbia e o
Peru, banhada pelo rio Solimões, Tabatinga tem cerca de 60 mil habitantes e
está entre os municípios do Amazonas com mais registros de casos de HIV/aids,
depois de Manaus e Parintins. O acesso à cidade, a 1.105 quilômetros da
capital, só se dá por barco ou avião, inclusive, o envio de amostras para
exames usados no tratamento de pessoas com HIV. Por avião, o transporte, que
era feito pela companhia Azul, ficou complicado desde 2011. Foi quando a
Polícia Federal apreendeu um carregamento de cocaína dentro da caixa de isopor,
junto com as amostras de sangue.
Por barco, a dificuldade é o tempo. Alguns
exames precisam ser feitos em 12 horas e a viagem, via fluvial, dura seis dias.
Se for numa lancha expressa, é possível fazê-la em 30 horas. Uma saída parece
estar próxima e chega por meio Interfedarativa do Amazonas (Interfam), assim
chamada a força-tarefa entre governos federal, estadual e municipal para
combater a aids no estado, o segundo do país com mais registros de casos
da doença – o primeiro é o Rio Grande do Sul.
Um laboratório, montado com recursos da
Interfam, começa a funcionar ainda este mês em Tabatinga, segundo o coordenador
do Programa de Aids da cidade, Arnoldo Ferreira Gomes Junior. Está atrasado,
pois era para ter sido inaugurado em abril, de acordo com os profissionais que
vão coordená-lo. “Mas dia 31 começaremos a rotina no laboratório”, festeja
Arnoldo. “Terça-feira [dia 18] me ligaram da coordenação estadual solicitando o
nosso endereço para entrega do equipamento que falta.”
O laboratório de Tabatinga vai beneficiar
os moradores de nove municípios da região do Alto Solimões. “Hoje, todas essas
cidades recolhem as amostras e enviam para Manaus via fluvial, correndo o risco
de perdê-las. Com o laboratório, o acesso do paciente ao tratamento vai ser
facilitado”, disse Arnoldo, na quarta (19).
Números da aids
De 2001 até setembro deste ano, 219
pacientes foram notificados com HIV/aids em Tabatinga. Destes, 155 estão em
tratamento e quatro foram transferidos para outros municípios, segundo o
coordenador. Ele ainda informou que em 2016 foram registrados dois óbitos em
consequência da doença.
O que mais vem preocupando os profissionais
de saúde locais e também a diretora do Departamento de DST, Aids e Hepatites
Virais, a amazonense Adele Benzaken, são os números que não entram nos dados
oficiais porque se referem a pessoas que vivem com HIV e não sabem. “Temos
muitos casos de diagnóstico tardio, de pessoas que chegam superdoentes aos
postos e hospitais e nem sabem que têm aids”, diz Adele. “Nosso grande
desafio é ampliar o diagnóstico. E o segundo é vincular as pessoas aos serviços
de saúde.”
Viva Melhor Sabendo
Uma das formas de enfrentar o desafio é o
projeto Viva Melhor Sabendo que, assim como em Manaus, conta com o apoio da ONG
internacional AHF (Aids Healthcare Foundation), com sede em Los Angeles (EUA) e
atuação em 36 países. O projeto consiste em levar os testes rápidos até as
populações mais vulneráveis, trabalho que cabe às ONGs desenvolver e, para
isso, elas são capacitadas.
Em Tabatinga, a ONG escolhida para aplicar
os testes foi a LGBTT, coordenada por Camila Cangalaya Matios. Na noite
de 22 de setembro, a Agência Aids, que acompanhou a visita de uma equipe da AHF
na cidade, saiu com os integrantes da entidade para uma ação de testagem –
foram feitos 27 testes de fluido oral, nenhum positivo.
O cenário da testagem foi montado na
Avenida da Amizade, que começa no Aeroporto Internacional de Tabatinga e
termina dentro de Leticia, cidade da Colômbia. Ali, é onde acontece o agito
noturno, com o intenso movimento de motos e tuk-tuks que vão e voltam,
atravessando a fronteira. É também na Avenida da Amizade que ficam os bares e
boates. Naquela noite, a maioria das pessoas que fizeram os testes era jovem,
muitos deles estudantes saindo dos colégios das redondezas.
Além de oferecer os testes, os integrantes
da ONG também distribuíram material com informações sobre DSTs, aids e
hepatites virais. E camisinhas, claro. A população aceitou bem a abordagem e,
em muitos casos, os jovens se aproximaram espontaneamente.
Parceria na tríplice fronteira
Sidneia Gardina Fregni, secretária
municipal da Saúde de Tabatinga, contou que muitos colombianos e peruanos estão
em tratamento no município. “Não tem problema. Aqui é uma região de fronteiras
abertas, Leticia e Tabatinga são praticamente uma cidade só, então, nós
tratamos todo o mundo.” Mas é preciso incluir muito mais gente, inclusive
as populações indígenas, de tribos mais afastadas, com mais dificuldade de
acesso. “E índio não tem o hábito de usar preservativo”, observa Sidneia.
Para fazer essa inclusão, o sonho de
Sidneia é selar um acordo entre os três países (Brasil, Colômbia e Peru), que
possibilite ações conjuntas. “Não adianta eu cuidar só da minha população”, ela
defende.
Segundo Sidneia, a Colombia está receptiva
ao acordo, mas o Peru não se manifesta. A médica Patricia Campos López, chefe
da AHF no México, prometeu ajudar, já que sua ONG conta com representação no
país. Também estavam na visita o chefe da AHF nos Estados Unidos, Michael
Kahane, a diretora global de Recursos Humanos da AHF, de Los Angeles, Anita
Castille, e Cristina Raposo, coordenadora da ONG no Brasil.
Benjamin Constant
A meia hora de barco de Tabatinga, Benjamin
Constant é uma das nove cidades do Alto Solimões. Com cerca de 40 mil
habitantes, conta com um programa de aids coordenado por Francislangela Garcia
Haiden, a famosa Langinha. O SAE (Serviço de Atenção Especializado) da cidade
funciona dentro da UBS (Unidade Básica de Saúde) onde fica o Programa Saúde da
Família. Há outras cinco UBS em Benjamim Constant.
No SAE, são oferecidos testes rápidos,
preservativos, antirretrovirais, inclusive a PEP (profilaxia pós-exposição).
Desde 2005, foram notificadas 72 pessoas com HIV e, dessas, 36 estão em
tratamento. “Mas o número é muito maior”, observa Langinha. “Muitos vão fazer o
teste e se tratar em Tabatinga, alguns até em Manaus, porque temem a
exposição.”
A população de HSH (homens que fazem sexo
com homens), na faixa dos 18 aos 24 anos, é a mais afetada, seguindo a
tendência mundial. Não por acaso, a ONG Associação Benjaminense de Gays,
Lésbicas, Bissexuais e Travestis (ABGLBT) está sendo capacitada para fazer os
testes rápidos logo mais, quando o projeto Viva Melhor Sabendo desembarcará na
cidade.
“Vamos fazer a comunicação entre pares,
falando com pessoas como a gente. Nossa ONG surgiu com a ideia de promover a
união, falar de diversidade e lutar contra o preconceito”, diz Raymison Ferreira,
coordenador da ABGLBT.
Dados gerais
Acompanhando os dados gerais da doença no
Amazonas, os casos na faixa de 15 a 24 anos estão mais de 80% concentrados na
capital amazonense, que abriga a maior parte da população. Ainda, conforme o
Boletim Epidemiológico, na sequência, vem os municípios de Parintins (2,4%),
Tabatinga (1,9%), Itacoatiara (1,9%), Tefé (1,5%), Manacapuru (1,3%) e Benjamim
Constant (1%).
Fonte: Blog Jambo Verde
Seja o primeiro a comentar
0 Comentários