30/12/2017,
sábado
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Foto:
Site DN (À esquerda, a cabeça-de-prata; na ponta direita, o
uirapuru-de-chapéu-branco e, ao centro, o híbrido dançador-de-coroa-dourada)
O
que diferencia as três aves amazônicas é a coloração das penas da cabeça. As
duas espécies parentais reproduziram-se entre si e o híbrido tornou-se uma
espécie autônoma
Foram
necessárias várias viagens à região dos rios Cururú e Jamanxim, na Amazônia, para
recolher exemplares das aves e das suas penas, e depois houve que fazer uma
bateria de testes genéticos, mas o resultado foi compensador - e muito. No fim,
o trabalho de uma equipa de biólogos brasileiros e canadianos da Universidade
de Toronto Scarborough levou à descoberta da primeira ave híbrida conhecida: um
passarinho verde e amarelo, Lepidothrix vilasboasi de seu nome científico, que
é conhecido no Brasil como dançador-de-coroa-dourada, e que abre um capítulo
novo na história das espécies.
Identificado
pela primeira vez em 1957 pelos antropólogos e irmãos brasileiros Vilas Boas
(daí o nome vilaboiesi), e descrito em 1959 pelo biólogo germano-brasileiro
Helmut Sick, este pequeno pássaro andou desaparecido durante os 40 anos
seguintes, para só voltar a ser avistado em 2002, no seu pequeno habitat de
cerca de 200 quilometros quadrados da floresta amazônica.
Foi
a sua raridade, e o facto de não partilhar território com outras duas espécies
muito idênticas - a Lepidothrix iris, conhecida no Brasil como cabeça-de-prata,
e a Lepidothrix nattereri, que localmente tem o nome de
uirapuru-de-chapéu-branco - que levou os biólogos a suspeitar de que poderia
haver ali qualquer coisa. É que estes três pequenos pássaros são em tudo
idênticos, menos na cor das penas que têm no topo das respetivas cabeças, o que
aliás salta à vista nos nomes comuns que cada um deles ganhou: coroa-dourada,
cabeça--de-prata e chapéu-branco.
Qual
é então a história do dançador-de-coroa-dourada e dos seus muito chegados
cabeça-de-prata e uirapuru-de-chapéu-branco?
Tanto
quanto a equipa liderada pelo biólogo canadiano Jason Weir, da Universidade de
Toronto Scarborough, conseguiu apurar, a primeira espécie descende das outras
duas - literalmente. Algures há 180 mil anos, exemplares das duas espécies
chamadas parentais - a de penas brancas e a de penas prateadas no alto das
respetivas cabeças - reproduziram-se entre si e o resultado, os passarinhos com
a tal coroa dourada, conseguiu vingar por si próprio, o que é algo inesperado
e, tanto quanto se sabe, inédito, a este nível de complexidade biológica.
"Embora
nas plantas as espécies híbridas sejam muito comuns, nas espécies vertebradas
isso é algo muito raro", explica Jason Weir, o coordenador do estudo,
citado num comunicado da sua universidade. Na prática, o que acontece quando
duas espécies aparentadas se reproduzem entre si é que os animais que daí
resultam são inférteis e não podem, portanto, reproduzir-se. O caso talvez mais
conhecido é o das mulas, que resultam do cruzamento entre burros machos e
éguas, ou o contrário.
No
caso do dançador-de-coroa-dourada, isso não aconteceu assim e os biólogos
acreditam que foi o seu isolamento geográfico que determinou um rumo diferente
na sua história.
"É
muito provável que sem isolamento geográfico as coisas não se tivessem
desenrolado desta forma", estima Jason Weir, sublinhando que "noutras
regiões, onde as eventuais espécies parentais continuam a conviver não se
observa a transformação dos híbridos em espécie separada".
Neste
caso, as duas espécies parentais emergiram há cerca de 300 mil anos de um
antepassado comum. E depois, há 180 mil anos, foram elas que deram origem a uma
nova, quando nada o fazia prever. Esta descoberta levanta agora a hipótese de
que possa haver outros casos como este na natureza.
Site DN Portugal
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