09/01/2016, segunda-feira
Foto: Reprodução
Gravaçõe s da PF,
comautorização da Justiça, que resultaram na operação
La Muralha, apontam que líder de organização do crime apoiava candidato.
Em nota, governo do Estado repudia tentativa de associação com
criminosos
Manaus - "Nossa
‘Faccao’ é ‘tao’ Franca... Que ‘nos’ elegemos foi um ‘govenado’...
‘So’ isso”. Esse é um trecho da conversa entre os traficantes
José Roberto Fernandes Barbosa, o ‘Zé Roberto’, e João Pinto
Carioca, o ‘João Branco’, líderes da facção Família do Norte (FDN),
apontada pelo governo do Estado como responsável pelo massacre no último
dia 1º, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). As conversas
por mensagens foram interceptadas, em outubro de 2015, com autorização
da Justiça, durante investigações da Polícia Federal (PF) que
culminaram na operação La Muralla. Para a PF, o diálogo se refere ao apoio
dado pela organização criminosa envolvida com o tráfico a reeleição
do governador José Melo, relação esta que está sendo investigada
pela PF.
Um ano antes das
interceptações da PF, uma gravação feita dentro do Compaj,
gravada uma semana antes das eleições para o segundo turno para o
cargo de governador do Estado, mostra uma conversa entre o major da
Polícia Militar (PM) Carliomar Barros Brandão, então subsecretário
de Justiça e Direitos Humanos com Zé Roberto. Durante a conversa,
o oficial pede apoio ao traficante para as eleições de 2014, em troca
da “paz” dentro dos presídios de Manaus.
Durante a conversa, Zé
Roberto, segundo o áudio, diz: “Vamos apoiar o Melo,
entendeu? A cadeia…vamos votar minha família toda, lá da rua, entendeu?
Não tem nada não, a gente não conhece o Melo (trecho inaudível),
a gente quer dar um alô, que ele não venha prejudicar nós. E nem
mexer com nós”, pede o narcotraficante, que atualmente cumpre pena no
presídio Federal.
Como forma de acordo, o
então subsecretário de Justiça e Direitos Humanos,
major Carliomar Brandão (foto), que logo após ter sido exonerado
do cargo voltou a assumir o comando do Batalhão de Trânsito do Estado
do Amazonas (Batran), cargo que ocupa até o momento, fala: “Não, ele
não vai, não... A mensagem que ele mandou para vocês agradeceu
o apoio e que ninguém vai mexer com vocês, não”, afirma o oficial.
Para garantir que a
promessa seja cumprida, Zé Roberto cita ocorrências
como ataques criminosos registrados em outros Estados. “Tá vendo o
que está acontecendo em Santa Catarina (vários ataques)? É o comando
dos caras, que estão rodando lá por causa do governo dos caras. Tá
vendo aqui, a cadeia tá tudo em paz porque o governo daqui não mexe
com nós”, disse o traficante.
Mais uma vez, o major
garante que não haverá represália. “O que ele quer é
isso, é a cadeia em paz”. Diante da afirmação do oficial, Zé Roberto
fala do número aproximado de votos que a facção pode dar ao candidato:
“Eu acho que de voto ele vai ter de nós mais de cem mil votos”,
cogita Zé Roberto.
A conversa tem cerca de 30
minutos e antes de saírem da sala, major Carliomar
se certifica que o acordo foi firmado e em troca, o Estado não irá
intervir com o grupo do traficante. “Então, pra próxima vocês vão
ajudar, né?”, diz ele. Zé Roberto responde: “Você imagina cada preso que
tem família lá, se a gente der uma ordem eles vão cumprir. Não é
igual aqueles caras que se der 100 reais que diz que vai votar e não vota.
O nosso vai votar no Melo porque nós mandemos (sic)”, afirma Zé
Roberto.
No dia 26 de outubro de
2014, o governador José Melo foi reeleito para ocupar o
cargo por mais quatro anos com 55,56% dos votos válidos, contra
44,44% do concorrente e atual senador Eduardo Braga (PMDB).
Logo após a divulgação da
gravação e o resultado das eleições, foi instaurado
na Justiça Eleitoral o Processo de Nº 2245-76.2014.6.04.0000
Classe 3. Dentre os objetos investigados estão o uso de
funcionários públicos durante as eleições, onde as conversas contidas
nos áudios também são apuradas.
Consta no site da Justiça
Brasil que o processo ainda está em andamento
e que a última audiência sobre o caso foi realizada, em agosto de
2016. De acordo com o advogado da coligação de Braga, ‘Renovação
e Experiência’, que ajuizou a ação, Daniel Nogueira, o conteúdo
existente no áudio foi comprovado a partir de provas testemunhais.
No entanto, segundo
Nogueira, a defesa do governador quer anular o áudio
como prova. “No entendimento deles, a gravação não é válida porque
foi feita em tom ambiente, mas tudo está comprovado por testemunhas
que elas existiram”, afirmou o advogado.
A reportagem entrou em
contato com o procurador-chefe do Ministério Público
Federal (MPF), Edmilson Barreiros, para comentar sobre o assunto.
No entanto, ele informou que não está acompanhando o caso e que os
procuradores envolvidos na ação estão de recesso judicial e retornam
nesta segunda-feira.
A reportagem também entrou
em contato com o desembargador João Simões, que é o
relator do processo, mas o mesmo não atendeu às ligações.
Resposta
Em nota, a Secretaria de
Estado de Comunicação (Secom) respondeu que “o
governador José Melo repudia a tentativa de lhe associar a supostas negociações
com criminosos ou de ter usado forças policiais durante as eleições
de 2014”. A nota prossegue dizendo que “o processo está em
fase de
instruções e os advogados que fazem a defesa do governador ressaltam
que em nenhuma das acusações há qualquer comprovação de veracidade
nas denúncias”.
Ainda de acordo com a
nota, “a assessoria jurídica reforça que nas próprias
conversas mencionadas pela reportagem, os diálogos são claros no
sentido de que não houve qualquer tipo de acerto em troca de apoio. Todas as
palavras relacionadas à campanha foram proferidas pelo detento,
sem que tenha havido qualquer contrapartida do interlocutor, no caso o
major Carliomar Brandão”.
Sobre o major continuar
trabalhando para o governo, em cargo de confiança,
a nota diz que “as denúncias não foram comprovadas e ainda não houve
julgamento do caso, o que, portanto, não impede que o major exerça
qualquer cargo público”.
Líderes da FDN falam sobre
eleição e rixa com o PCC
As interceptações
feitas pela Polícia Federal (PF) que revelaram trechos
de uma conversa entre os traficantes Zé Roberto, que negociou com o
major Carliomar Brandão e João Pinto Carioca, dois dos principais
líderes da FDN, dão conta de que a FDN teria sido, em parte, a
responsável por eleger o governador do Estado do Amazonas nas eleições
2014, e que pretendiam infiltrar criminosos no pleito municipal
de 2016.
As conversas são datadas
de outubro de 2015. Elas surgem depois de terem
sido informados de que membros da facção Primeiro Comando da Capital
(PCC) estavam espalhando pela cidade rumores sobre a fragilidade
da FDN. Nas mensagens, Zé Roberto fala a João Branco,
segundo a PF, em tom de ironia. “Nossa Faccao ‘e’ ‘tao’ Franca...
Que ‘nos’ elegemos Foi um ‘govenadô’... ‘So’ isso”.
Sobre as investigações da
relação da FDN com o governador José Melo, a PF
informou que “não divulga informações sobre investigações que estão sob
segredo de justiça”.
Nas mensagens
interceptadas pela PF, Zé Roberto segue conversando com João
Branco e diz sobre a rixa que os criminosos do PCC tem em relação à FDN,
mas demonstra que o poderio do tráfico está nas mãos da organização
comandada por eles. Zé Roberto comenta, ainda, sobre a intenção
dos traficantes do PCC em matar a ele e aos demais líderes da Família
do Norte, mas deixa claro que antes que isso aconteça, todos serão
mortos, dando indícios de que o ataque ao PCC no dia 1º de janeiro
já estava sendo planejado. “Nao ‘gosta’ de ‘nos’... ‘Tretarao’ me
‘marta’... ‘Ai’ ‘nos’ ‘ja’ ‘matemos’ ‘msm’”.
Facção nasceu da união de
dois criminosos do Amazonas
Investigações
da Polícia Federal (PF) indicam que a Família do Norte (FDN)
nasceu da união de Gelson Lima Carnaúba, o ‘G’ e José Roberto Fernandes
Barbosa, o ‘Zé Roberto, conhecidos criminosos do Estado do Amazonas,
que após passarem uma temporada cumprindo pena em presídios federais,
retornaram para Manaus determinados (ou orientados) a se estruturarem
como uma facção criminosa, nos moldes do Primeiro Comando da
Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV).
O primeiro passo adotado
pelos criminosos, segundo a PF, foi elaborar em um
‘Estatuto’ próprio, contendo regras e rígidos pilares de hierarquia
e disciplina para difusão através de extrema violência aos detentos
do sistema prisional amazonense.
Nas regras e pilares de
hierarquia e disciplina existentes em seu estatuto,
a FDN rapidamente se estruturou e se sustenta, sendo que a regra
número um é que nada é feito ou definido sem a ordem ou aprovação
de seus fundadores e principais lideranças, quais sejam, Carnaúba,
Zé Roberto, que integrariam o ‘comando’, possuindo a palavra final
sobre todos os assuntos da organização.
Em um segundo escalão de
comando, mas não menos conhecido que o primeiro,
figuram o investigado Geomison de Lima Arante, o ‘Cantor’, além de
Cleomar Ribeiro de Freitas, o ‘Copinho’, Alan de Souza Castimário,
o ‘Nanico’ e João Branco, que integram o ‘conselho’. Cabe
a eles
discutir com as lideranças do ‘comando’ todos os principais assuntos
da facção, recebendo, por delegação destes, a incumbência de ‘resolver’
os problemas e demandas.
Durante as investigações, a
PF já havia identificado a vontade da FDN em
exterminar os criminosos da facção rival PCC, os quais eram chamados
por integrantes da Família do Norte de ‘imundice’. Todos os líderes e
conselho da FDN estão presos em presídios Federais, mas segundo
informações da polícia, as mensagens com ordens deles continuam
sendo enviadas ou por intermédio de familiares ou de advogados.
No último dia 1º de
janeiro, integrantes da FDN executaram 56 detentos que
estavam no regime do ‘seguro’, no Compaj. Em fotos divulgadas em redes
sociais, os criminosos, dentre eles Márcio Ramalho Diogo, 34, o ‘Garrote’,
que ficou como ‘xerife da unidade, após a transferência de ‘Zé
Roberto’, aparece em fotos posando em meio a outros detentos.
De acordo com informações
da Força-Tarefa criada pela SSP para investigar
a autoria do massacre, Garrote era quem estava comandando a rebelião.
Garrote foi identificado pela PF como o braço direito de ‘Zé Roberto’
e era o responsável por fazer o recebimento e distribuição de drogas
para o traficante.
‘Zé Roberto’ tinha
regalias em cela do Complexo Anisio Jobim
Uma revista realizada no
dia 29 de julho de 2015, no Complexo Penitenciário
Anísio Jobim (Compaj), feita pela Secretaria de Segurança
Pública do Amazonas (SSP-AM) com o apoio do Exército Brasileiro,
encontrou celas revestidas com porcelanato, equipadas com frigobar,
ventilador e até sistema de som.
Conforme informado pela
Secretaria de Estado de Segurança, a cela era do traficante
‘Zé Roberto’. No entanto, o então secretário de Justiça e
Direitos Humanos, Louismar Bonates, afirmou que o local era usado apenas
como ‘motel’ (cela íntima) para os presos, fato que foi contestado
pelos demais internos.
A revista realizada pela
SSP em parceria com o Exército causou desconforto
entre a Secretaria de Segurança e os gestores da Secretaria
de Justiça. Na época, Bonates informou que somente a Sejus e as
empresas que coordenavam as unidades prisionais deveriam fazer as inspeções.
No entanto, após
intervenção do Ministério Público do Estado (MPE) e após a
saída de Bonates da Sejus, as celas luxuosas foram destruídas, em
novembro de 2015, pela atual gestão da Secretaria de Estado da Administração
Penitenciária (Seap).
Em
dezembro de 2015, em um relatório feito pelo Mecanismo Nacional de Prevenção
e Combate à Tortura (MNPCT), peritas que vieram de Brasília relataram
a existência dessa divisão da unidade por facções e regalias aos
presos. Consta no documento que dentro do Compaj, local onde e que os
detentos da FDN ficavam com maior parte da cadeia e que os demais se
amontoavam em outras áreas denominadas de ‘seguro’.
Durante as inspeções, o
órgão identificou problemas e características que podem
estar relacionadas à violenta rebelião ocorrida em 1º de janeiro.
O Mecanismo identificou
como problema central da unidade a omissão estatal
frente à execução penal. Além disso, identificou que os presos exerciam
um autogoverno, estipulando rígidas regras de conduta, em boa medida
legitimadas pela omissão do Estado, afetando a segurança jurídica
e, mais grave, a vida dos presos.
Fonte: D24am
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