10/01/2016, terça-feira
Foto: Duas semanas antes do massacre,
detentos que morreram na chacina avisaram sobre esquema bancado pela FDN
Detentos assassinados pediram
ajuda e avisaram que diretores do presídio recebiam dinheiro da FDN para
facilitar fugas, entrada de ilícitos e chacina
Vinicius Leal
Manaus (AM)
Datadas de 10 de dezembro de 2016, e
anexadas quatro dias depois junto a um processo que tramita na Vara de
Execuções Penais (VEP) de Manaus, cartas escritas por dois presos do
Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) denunciavam um esquema bancado pela
facção criminosa Família do Norte (FDN) para a entrada de armas, drogas e
celulares na cadeia, além da relação promíscua da facção com gestores do
presídio. Os dois detentos foram assassinados duas semanas depois de dar
ciência do caso à Justiça durante o massacre no Compaj.
As cartas, escritas à mão pelos detentos
identificados como Alcinei Gomes da Silveira e Gezildo Nunes da Silva – os dois
incluídos na lista de mortos – foram anexadas ao processo de Genildo Nunes da
Silva, de número 0229886-50.2015.8.04.0001, pela 2ª Defensoria Pública
Especializada em Execução Penal, no dia 14 de dezembro de 2016. A ação está sob
a responsabilidade do juiz Luis Carlos Valois.
Nas cartas, eles afirmam, em relatos
diferentes, que eram internos ameaçados de morte, e que mesmo com autorização
da Justiça de permanecerem em área segura do regime fechado – sob medida
cautelar de segurança, dois diretores faziam ameaças de retirá-los da região
segura e colocá-los em uma ala “de risco”, onde poderiam ser assassinados.
Segundo os autores da carta, os dois gestores denunciados são o subdiretor do
complexo, identificado como “Carvalho”, e outro no cargo “GSI” identificado
como “Wiuk”.
Entradas de drogas e armas
Em um dos trechos da carta, os dois
detentos afirmam que quase morreram e que os dois gestores do Compaj
denunciados recebiam dinheiro da facção FDN para facilitar a entrada de
ilícitos, fugas e mortes.
“Não temos convívio em nenhum lugar. Só
temos convívio onde estamos. Porque por todos os cantos, nós já passamos e
saímos entre a vida e a morte. O juiz determinou que permanecêssemos aqui como
está”. “O subdiretor e GSI querem nos tirar da [...] sem motivos, só pelo fato
de nós internos sabermos que eles são corruptos e recebem dinheiro da facção
FDN, facilitando a entrada de armas, drogas e celulares, e facilitando a última
fuga que teve no Compaj, onde fugiram 14 internos”.
Detentos imploram por viver
Noutro ponto da carta, os dois internos
afirmam que já haviam denunciado o esquema outra vez, mas não obtiveram
resposta. “Os mesmos (diretores) estão recebendo dinheiro da facção FDN,
que tem grandes intenções em ceifar minha vida. Os mesmos querem me tirar de
onde estou, desobedecendo a ordem judicial. [...] (O subdiretor) fica me
ameaçando todos os dias que irá nos tirar (daqui). A Ouvidoria e Seap
(Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) só vão fazer alguma coisa
quando nós tivermos nossa vida ceifada?”
Os presos pediram ainda, em caráter de
urgência, que o destinatário da carta os visitasse no Compaj para ouvir
pessoalmente as denúncias. “De boca não funciona. Tudo tem que ser documentado.
Aonde devo fazer essa denúncia? No STJ (Superior Tribunal de Justiça), em
Brasília? [...] Me ajude essa carta chegar (sic) a alguém que possa resolver
essa questão. Estou sendo torturado psicologicamente”.
DPE
ressaltou dever de proteger
Gezildo Nunes da Silva, um dos presos que
assinam a carta, cumpria pena em regime fechado de cinco anos de prisão desde
2015 por furto qualificado, após ter arrombado uma residência no município de
Maués, no interior do Amazonas, e furtado do local, na companhia de um
comparsa, duas garrafas de whisky, 30 quilos de guaraná e um tablet.
O outro autor da carta, Alcinei Gomes
da Silveira, por sua vez, cumpria pena de 60 anos de prisão desde 2011, por ter
matado a facadas e terçadadas a própria mãe de 41 anos, o irmão mais novo de 14
anos e tentado matar o pai, num crime ocorrido no dia 5 de abril daquele ano,
no bairro São José, em Manaus.
Após ser escrita, a carta foi entregue à
companheira de Gezildo durante visita ao Compaj. A mulher, então, repassou o
documento ao defensor público Arthur Sant’anna Ferreira Macedo, que fazia a
defesa de Gezildo na Justiça. A partir daí, no dia 14 de dezembro de 2016,
quatro dias após ser escrita, o defensor protocolou e anexou a carta ao
processo de Gezildo no Tribunal de Justiça do Amazonas, com destinação e para
conhecimento do juiz Luis Carlos Valois, titular da Vara de Execuções Penais
(VEP).
Ao anexar as cartas ao processo, o defensor
alega ser “dever do Estado assegurar a proteção à integridade física e moral
dos internos que estão sob sua custódia” e pede ao juiz Luis Carlos Valois que
Gezildo fique preso no Centro de Detenção Provisória (CDP), “não podendo ser
transferido para nenhuma outra unidade prisional sem que esteja em risco sua
integridade física”.
O defensor público Arthur Sant’Ana também
pediu quer fossem “apuradas e tomadas as devidas providências acerca das
denúncias relatadas” na carta. Não há movimentação no processo após o pedido do
defensor público, feito em 14 de dezembro. O judiciário entrou em recesso no
dia 20 de dezembro, uma semana após o pedido.
O juiz Luis Carlos Valois e o secretário
Pedro Florêncio não foram localizados para comentar a reportagem até o
fechamento desta edição.
Corregedoria
vai apurar
A reportagem entrou em contato com a
assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), questionando
se era de conhecimento das autoridades judiciais a denúncia. “A Presidência do
TJ-AM declara que irá apurar essas informações, por meio da Corregedoria Geral
de Justiça”, responderam.
Fonte: ACrítica
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