Um dia, Ipi falou a Yoi:
Agora nós vamos ver a história da samaumeira.
Naquele tempo não existia o dia. Era sempre noite.
Os galhos da samaumeira eram muito grandes e
cobriam
o mundo, escurecendo tudo. Um dia, Ipi falou a
Yoi: Irmão, irmão, o que nós vamos fazer
para clarear o dia? Resolveram então procurar um caroço de araratucupi,
para ver se conseguiam abrir um buraco na samaumeira. Logo que acharam Ipi
jogou o caroço na samumeira,
fazendo um barulho: Fürürürü! ëëëëê!
Mas nem um pouquinho de luz apareceu. Ipi, então, falou para o irmão fazer o
mesmo. Yoi jogou o caroço e se ouviu um outro barulho: ngune, ngune, ngune! Desta vez se abriu um pequeno buraco e se pôde
ver um pouco de luz. Mas essa luz logo desapareceu, porque os galhos da
samaumeira eram vivos e se fecharam. Ipi falou: Irmão, irmão, o que nós vamos fazer agora?
Ficaram pensando em algum animal que
pudesse derrubar a arvore. De repente ouviram a voz do pinica-pau: pururu, pururu. Yoi, então, convidou
este passarinho. Quando o pinica-pau chegou, tentou cortar a árvore com seu
bico, mas não conseguiu e foi embora.
Yoi e Ipi ficaram pensando,
pensando... Aí ouviram no buraco de um pau uma voz que fazia: tu, tu, tu, tu, tu.
É uma cotia. Vamos chamá-la - disse Yoi. É uma cotia mesmo.
Ela tem um machado - disse Ipi. Ipi se interessou por este machado e queria
matar a cotia para ficar com ele. Mas Yoi alertou: Cuidado! Pensar assim é errado. Ipi insistiu e foi até o caminho da
cotia. Mas antes fez um disfarce: pintou o corpo e botou penas por todo ele. E
desse jeito foi esperar a cotia. Yoi sabia por que o irmão estava com essa roupa, mas nada falou. Ipi ticou
deitado e só as penas apareciam. Fingiu que estava dormindo, mas sua boca ficou
aberta. A cotia veio batendo nos paus com o machado dela: tu, tu, tu, tu, tu. Olhou e viu aquelas penas de passarinho e por três
vezes perguntou: O que está fazendo aí? Ipi
nada respondia. Ele pensava: Se sou só
pena de passarinho, então não posso falar. A cotia disse: o que é isso?! Se não me responder, eu vou
mijar na sua boca. Ele continuou sem responder e a cotia pensou: Nem responde... É mesmo que morto. E
ameaçou: Cuidado que eu vou arrancar a
sua língua. Ipi, mesmo com medo, falou: Pode
arrancar, pode meter a mão na minha boca. Quando ela se aproximou, Ipi aproveitou
e ela arrancou a paleta. Essa paleta era o machado. Depois disso, a cotia saiu
mancando, sem a perna de trás. Ipi fugiu com o machado, mas a cotia o perseguiu
gritando: Olhe, Ipi, quando você fizer
roça, não fale no meu nome. Você tomou o meu machado, por isso daqui pra frente
eu vou roubar a roça de vocês. A cotia, para cobrar esse roubo, até agora
gosta de roubar as roças. Foi da perna dela que os Ticuna conseguiram o
machado. Agora. essa cotia não pode mais plantar. Só a cotia pequena é que
ainda tem o machado. Ipi voltou e disse para Yoi: Irmão, irmão, irmão, agora eu já tenho o machado. Estou pronto para
derrubar a samaumeira. E começou a trabalhar. Fazia: tu, tu, tu, tu, mas nada de derrubar. Continuou, continuou até
cansar e o buraco não aumentava. Abria um pouco e tornava a fechar. Chamou Yoi
para que ele tentasse também.
Então Yoi veio e cortou, cortou, e o
lugar onde o machado batia foi se abrindo. Ipi viu o trabalho do irmão e
perguntou: Por que o meu não dá certo?
Não fale desse jeito - disse
Yoi. Quando se cansou, Yoi entregou o machado para Ipi e este continuou a
derrubar a samaumeira. Desta vez o corte não se fechou. Continuaram derrubando,
um pouco um, um pouco o outro, mas a árvore não caia.
Yoi olhou e pensou: Já está tão fininho, por que não cai?. Aí
os irmãos olharam para cima e viram a preguiça real, lá no alto, segurando a
árvore. Pensaram: O que podemos fazer
para ela largar?. Falaram entre eles, mas um quatipuru estava perto e
ouviu. Disse-lhes que teria coragem para tirar a mão da preguiça lá do galho. Yoi aceitou e o quatipuru
subiu só até a metade: trrrrrrn.
Desceu sem coragem, porque achou muito
alto. Então Yoi resolveu buscar um bocado de formiga de fogo para jogar no olho
da preguiça. Deu as formigas para um quatipuru pequeno que apareceu. Este disse
que teria coragem para fazer o trabalho. E foi ate lá só para experimentar: tauripiriririrrrrr. Voltou e falou que
dava certo jogar as formigas. Subiu novamente e atirou as formigas no olho da preguiça
e depois deu um pulo para trás. Quando ele pulou, o machado lhe machucou o
rabo. Por isso este quatipuruzinho tem o rabo dobrado nas costas. Enfim, a
samaumeira caiu e o dia começou a clarear. Aí puderam ver o sol, o céu, as
estrelas. Ficaram animados. Depois disso, o dia amanhecia sempre da mesma
maneira. Yoi e Ipi entregaram sua irmã Mowatcha para se casar com o
quatipuruzinho, porque ele era corajoso.
Fonte: Blog da Onça Preta
0 Comentários