Foto: Funai/ Divulgação (Etnias isoladas
que vivem no baixo e médio Javari sofrem cerco e garimpeiros e agricultores e a
iminência de massacres)
Funai perdeu o controle da situação na
região. Grupos isolados sofrem ameaças de massacres por grileiros, mineradores
e caçadores, e animais de caça de áreas indígenas são vendidos em feiras nas
cidades
Os índios isolados do Vale do Javari estão
sendo perseguidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai), inclusive com uso de
aeronaves para sobrevoo, e a sua localização facilitaria novos assassinatos na
região em que um massacre foi noticiado e depois desmentido na semana passada
pelo Ministério Público Federal do Amazonas. A denúncia de perseguição da Funai
a etnias isoladas é de uma liderança que prefere não se identificar, integrante
da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava). O massacre investigado
pelo MPF teria ocorrido há cerca de um mês, mas não há informações sobre número
de mortos ou a que etnias pertencem. Se confirmado, esse seria o segundo
genocídio cometidos por invasores contra povos indígenas esse ano no Vale do
Javari. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), outros dois
massacres de indígenas por garimpeiros são investigados na região – onde os
cortes orçamentários promovidos pelo governo federal desestruturaram o trabalho
de proteção etnoambiental.
A liderança indígena ouvida pelo Extra Classe concluiu que
os sobrevoos de aeronaves pela Funai deixa as aldeias a mercê dos
invasores, pois facilita a localização dos grupos isolados por grileiros,
agricultores e garimpeiros. A Funai não retornou a solicitação de esclarecimentos
sobre a denúncia. O indígena considera que o extermínio dos povos
indígenas interessa aos exploradores de riquezas florestais, pois as
comunidades representam um obstáculo à obtenção de autorizações a
empreendimentos econômicos. O Vale do Javari é a região com maior presença de
povos indígenas isolados do mundo. São cerca de 15 referências, em um total de
110 existentes na Amazônia brasileira. O contato com isolados há décadas é
condenado por antropólogos e indigenistas, e deixou de fazer parte das
políticas da Funai, que optou pela vigilância dos limites das áreas em que
circulam.
Próximo ao Peru e Colômbia, o Vale do
Javari, no Amazonas, já é um lugar de livre trânsito de garimpeiros, caçadores
e pescadores. “Eles matam os parentes, depois os documentos vão dizer que lá
não é terra de índio”. Essa liderança da Univaja nasceu, cresceu e contribuiu
com a definição dos limites do território demarcado em 2001. “Não sofremos só
massacre físico, mas massacre institucional. O massacre criou força no governo
Temer. E as denúncias de mortes são já do ano passado. Mas ninguém faz nada”,
relata.
O extermínio de índios isolados foi
previsto, em maio, pelo então presidente da Funai Antônio Fernandes Toninho
Costa, no momento em que ele pediu demissão do cargo. “Uma catástrofe”,
sinalizou Costa, referindo-se aos cortes de orçamentos determinados pelo
governo federal, que afetaram 12 Frentes de Proteção instaladas no país para
garantir a sobrevivência dos povos isolados. Segundo o ex-presidente da Funai,
as políticas governamentais contribuem com o acirramento dos conflitos. Ele
ainda citou que, no mês anterior a sua saída, o repasse financeiro à Funai caiu
de R$ 9 milhões para cerca de R$ 4 milhões.
A liberdade de entrar e sair da Terra
Indígena Vale do Javari é flagrante nas feiras de cidades como Benjamin
Constant, Atalaia do Norte e Tabatinga. “Chegou o tracajá! Olha o jabuti!”,
gritam feirantes animados com o produto caro e disputado pela freguesia. Os
animais são vendidos entre R$ 80,00 e R$ 110,00 cada. “Semana passada chegaram
em Atalaia 37 sacos de ovos de tartaruga. Não sei quantos ovos cabem em cada
um… são sacos desses grandes [tipo 60 quilos, refere]. E tem muitos outros
animais na feira, como tatu, paca. Tá lá, na nossa cara!”, diz o líder da
Univaja.
Segundo ele, são fartas as denúncias feitas
pelas organizações indígenas, e há algumas ações do Ministério Público e da
Polícia Federal que provocam o recuo de balsas de garimpos nos rios, mas depois
voltam, pois não há ação continuada. “Em junho e julho estive no rio Curuçá,
numa unidade de vigilância da Funai. Não tinha nenhum funcionário, só um índio
Marubo e dois Kanamari. Nem comida tinham. Passando ali por eles, barcos com
50, 100 homens com armas, gelo, com tudo. Como os parentes vão parar um barco pra
fiscalizar? Eles riem na nossa cara e na cara do poder público. Não sei qual o
papel da Funai. A gente liga, não tem ninguém. Nem chefe tem na região”,
relata.
Garimpo ilegal e guerra entre
etnias
Lideranças do Univaja reivindicam que as
instituições públicas assumam investigações e posturas firmes frente à situação
que se desenrola há vários anos na Terra Indígena Vale do Javari, como as
mortes em uma verdadeira guerra entre os Matis e Korubo, que tem vítimas em
ambas as etnias, recentes e antigas. As lideranças afirmam que não faltam
pistas que levem aos culpados por instigar os conflitos, mas as autoridades
nada fazem.
Na segunda-feira, 11, a Funai se manifestou
por meio de nota oficial publicada em sua página na internet, dizendo que a seu
pedido o Ministério Público Federal de Tabatinga e Política Federal, desde
agosto, investigam o suposto ataque contra povos indígenas isolados que habitam
a região do rio Jandiatuba, na Terra Indígena Vale do Javari. A área fica nas
proximidades dos rios Jandiatuba e Jutaí, próximo ao Peru. A nota diz que
garimpeiros foram presos e conduzidos a Tabatinga. Acrescenta que no final de
agosto foi deflagrada uma operação de combate ao garimpo ilegal, que resultou
na destruição de quatro dragas e multa de R$ 1 milhão, em ação com apoio do
Ibama e Exército, no município de São Paulo de Olivença. “Apesar de
dificuldades para chegar ao local (12 horas de barco nesse período de seca), a
Funai está empenhando todos os esforços”, encerra a declaração do órgão federal
responsável pela proteção dos índios.
E o mais grave: no mesmo dia, o Ministério
Público Federal no Amazonas enviou nota oficial à agência jornalística Amazônia
Real, de Manaus, afirmando que “errou” ao confirmar as mortes de índios
isolados, denominados “flecheiros”, no rio Jandiatuba. A matéria veiculada pela
jornalista Elaíze Farias havia provocado repercussão internacional e comoção
nas redes sociais. O MPF informou que “não há confirmação de mortes de índios
isolados no Amazonas” e “o que há é investigação em curso para apurar a
denúncia de tais mortes, as quais ainda não foram confirmadas” (…) “há
diligências em curso e não é possível fornecer detalhes sobre elas, a esta
altura, para não atrapalhar as investigações”, diz a nota.
O bispo de Alto Solimões, Dom Adolfo Zon
Pereira, também emitiu nota oficial, em repúdio à violência, denunciando “os
prejuízos que a mineração provoca há anos no rio Jandiatuba” e lamentando “o
patrocínio pelo poder público federal à mineração em detrimento das minorias,
especialmente os povos indígenas”.
Nesta terça-feira dia (12/09), o Cimi se
manifestou igualmente por meio de nota, em que enfatiza que as providências
tomadas em agosto de órgãos de fiscalização para conter as ações de garimpeiros
foram motivadas pela notícia do massacre, mas que já haviam várias denúncias,
inclusive de ameaças a moradores da região. “Embora não confirmados até o
momento, indígenas relatam que outros dois massacres de povos isolados teriam
ocorrido no interior da Terra Indígena Vale do Javari, na região do rio Jutaí”,
afirma. O Cimi enfatiza que cortes orçamentários determinados por Michel Temer
promoveram a desestruturação dos trabalhos de Bases de Proteção Etnoambientais
no país.
O alto curso do rio Jandiatuba, ressalta o
Cimi, encontra-se dentro dos limites da Terra Indígena Vale do Javari, mas o
seu médio e baixo curso são hoje parte de uma reivindicação de reconhecimento
como território dos povos indígenas Kambeba, Kokama e Ticuna do município de
São Paulo de Olivença. “Há ao menos sete comunidades desses povos no baixo e
médio Jandiatuba, que também sofrem com as consequências do garimpo. Os
processos de identificação e delimitação dessa área encontram-se paralisados. A
referida demarcação coibiria a entrada de garimpeiros e outros invasores na
região onde se localizam os indígenas isolados, o que evitaria riscos a estes
grupos”.
Por Cristina Àvila, de Brasília – Site Extraclasse.org.br
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